INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE
A partir da década de 1970 de acordo com Koch, Bentes e
Cavalcante (2018) ocorreu a “virada pragmática” nos estudos de texto, visto
que, o objeto de estudo do texto avançou dos elementos intratextuais, como
coesão e coerência para suas funções, assim, buscou-se analisar de forma
pragmática elementos como: intencionalidade, aceitabilidade,
situacionalidade, informatividade, intertextualidade. Com isso, a partir dos
estudos de Bakhtin (1929) com o conceito de dialogismo incorporado inicialmente
no meio literário, em 1960, Júlia Kristeva foi quem introduziu o conceito de
intertextualidade com base no dialogismo de Bakhtin, desse modo, a autora
“encara cada texto como constituindo um intertexto numa sucessão de textos já
escritos ou que ainda serão escritos” (KOCH; BENTES; CAVALCANTE, 2008, p.14)
configurando a intertextualidade como uma materialização textual heterogênea.
Após essa “virada pragmática” e consequentemente com o desenvolvimento
de pesquisas na linguística de texto, em 1990, com base no interacionismo
Bakhtiniano e com a importância do sociocognitivismo, as pesquisas acerca da
intertextualidade avançaram. Logo, a Linguística Textual buscou nas
contribuições de Bakhtin, a medida em que reconhecem que “um texto (enunciado)
não existe, nem pode ser avaliado e/ou compreendido isoladamente: ele está
sempre em diálogo com outros textos” (BAKHTIN 1929, apud, KOCH; BENTES,
CAVALCANTE, 2008, p. 14), portanto, corroborando com a teoria Bakhtiniana, a
análise textual incorporou os aspectos históricos e sociais na materialização
linguística.
Nesse sentido, de acordo com Charles Bazerman (2021) a
intertextualidade “investiga não somente a relação de um enunciado com aquele
oceano de palavras, mas também o modo como tal enunciado usa essas palavras, e
ainda como se posiciona em relação às outras palavras” (BAZERMAN, 2021, p. 136),
assim, compreendemos que a intertextualidade estabelece relações entre textos
e/ou enunciados “antecedentes, contemporâneos ou futuros, em potencial”
(p.142). Diante disso, é possível dizer que os textos são constituídos por dimensões
representadas através das multissemioses com o objetivo de integrar sentidos aos
textos.
Dito isso, Bazerman (2021) trata acerca dos níveis de
intertextualidade à medida em que podem indicar outros textos em sua
materialidade linguística de forma explícita ou implícita, assim, o autor
enumerou os níveis de intertextualidade em seis dimensões: o primeiro dispõe de
“uma informação de outras fontes consideradas autorizadas para os propósitos do
novo texto” (p. 143), por exemplo, em trechos da constituição federal que
declaram as leis nacionais e que são muito utilizados no meio jurídico, a fim
de atingir um propósito comunicativo; o segundo nível propõe que “os textos
podem remeter a dramas sociais explícitos anteriores mencionados na discussão”
(p.143), por exemplo, é comum ocorrer
entre grupos sociais, políticos, comunitários, sindicatos em geral, em gêneros
jornalísticos, redes sociais, etc. que apresentam pontos de vistas divergentes
no ato comunicativo; o terceiro nível diz que podemos utilizar outros textos
para construir nosso próprio texto “como pano de fundo, apoio ou contraposição”
(p.143), por exemplo, ao citar trechos de obras literárias, jornais, artigos,
revistas, dentre outros, recorremos a citações de outras fontes para
fundamentar nosso próprio texto.
A quarta dimensão proposta por Bazerman (2021) destaca que a
intertextualidade pode se manifestar de forma implícita, em casos em que
o locutor não cita diretamente a fonte a qual utilizou para construir sentidos,
nesta ocasião, o autor explica que isto ocorre
“quer sejam relacionadas a uma fonte específica, quer sejam percebidas
como senso comum” (p. 144), assim sendo, nesse nível o locutor compartilha de
crenças, opiniões, em reuniões de empresas, reuniões escolares, dentre outras
ocasiões, que tratam sobre assuntos recorrentes sem citar uma referência direta;
no quinto nível “cada texto evoca mundos sociais” no qual expressam formas linguísticas específicas e configuram-se
através dos gêneros; por exemplo, em livros podemos encontrar diversas
manifestações discursivas sobre um determinado tema, como uma abordagem
política, produções acadêmicas, etc. No sexto e último nível, “cada texto, a
todo instante, depende da linguagem disponível no momento histórico e faz parte
do mundo cultural de todos os tempos” (p. 146) assim, os textos emergem da
interação social entre os interlocutores e, por isso, podem apresentar marcas
linguísticas características de determinados gêneros.
Dessa maneira, a intertextualidade permeia o conceito de
interdiscursividade, pois, todo texto é constituído por outros dizeres, desse
modo, Pêcheux (2014) afirma que todo ato comunicativo mobiliza um
atravessamento de discursos na produção de sentidos. Portanto, a
intertextualidade promove a relação entre discursos através da materialidade
linguística, assim, podemos observar por meio do exemplo abaixo, a construção
de sentidos de uma propaganda do leite condensado “Moça” por meio da relação
entre a música “Mania de você” de Rita Lee. Observemos:
Figura 1: Propaganda do produto Leite de Moça
Fonte:http://5girlsdifferent.blogspot.com/2014/04/intertextualidade.html
Podemos observar na imagem,
as construções discursivas que foram utilizadas na produção de sentidos, de modo
que, o título da propaganda “meu bem, você me dá... água na boca” com a imagem
de um pudim de leite com calda associado à imagem do produto “Leite Moça” com a
frase: “há mais de 50 anos adoçando nossas vidas”, tem a intenção de provocar o
desejo no consumidor que, ao comprar o leite moça, poderá degustar do bolo, tal
qual na imagem, se adquirir o Leite Moça da Nestlé. Além disso, ao lado da
imagem, corroborando com o sentido da propaganda, o texto faz referência à
música “meu bem” de Rita Lee produzindo, assim, uma intertextualidade, visto
que, o modo como a propaganda utiliza expressões linguísticas da música para
produzir novos sentidos, repercute discursivamente e estrategicamente para alcançar
um propósito comunicativo no público-alvo.
Portanto, o leitor deve
acionar através de sua memória discursiva, o conhecimento da música de Rita Lee
em relação à propaganda do Leite Moça Nestlê, assim, mediante o conceito de
intertextualidade e interdiscursividade, através da imagem, da música e das
expressões linguísticas marcadas, é possível afirmar que a propaganda “Leite Moça
da Nestlê” utiliza propositalmente e explicitamente da música para alcançar um
objetivo: vender o produto, diante disso, compreendemos que todo texto é
construído por meio de referências à outros textos que emergem em nosso meio
social.
REFERÊNCIAS
BAZERMAN, Charles; DIONISIO, Angela Paiva; HOFFNAGEL, Judith Chambliss. Gênero, agência e escrita. 2 ed. Recife: Pipa comunicação, Campina Grande: EDUFCG, 2021.
KOCH, Vilaça G. Ingedore; BENTES, Anna Cristina; CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Intertextualidade: diálogos possíveis. 2 ed – São Paulo: Cortez, 2008.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma
crítica à afirmação do óbvio. tradução: Eni Puccinelli Orlandi et al. 5ª ed.
Campinas, SP. Editora da Unicamp, 2014.
Aqui é Giselda. Parabéns! mas depois vou fazer uma melhor leitura
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